"O Estado sou eu". Esta frase totalitária, que marcou a biografia do rei absolutista francês Luis XIV, agora personifica o novo padrão de comportamento da corte máxima do judiciário brasileiro.
A busca e apreensão na casa dos envolvidos no incidente com o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), no aeroporto internacional de Roma confirma uma tendência que já se insinuava em decisões judiciais recentes: de acordo com a atual interpretação da Corte, os magistrados personificam a democracia e o Estado Democrático de Direito.
Grosso modo, a partir de agora, membros do Supremo que estejam andando na rua são "democracias ambulantes" – quem ofendê-los estará emitindo ofensas ao próprio regime democrático, segundo a nova interpretação.
A observação foi sugerida pelo advogado constitucionalista André Marsiglia, especialista em liberdade de expressão, em um tuíte publicado na semana passada.
Ao aventar hipóteses sobre qual poderia ter sido o pretexto da Corte para incluir investigados por supostas ofensas a um ministro em seus inquéritos sigilosos – e assim tentar encontrar uma explicação para a busca e apreensão ordenada pela presidente do STF, Rosa Weber –, Marsiglia afirmou:
"Para isso, necessário que passemos a entender que os ministros do STF personificam neles o próprio Estado e a própria democracia. Ofendê-los seria ofender o Estado democrático. Nesse caso, vale sempre lembrar que o Estado é o povo, ministro é servidor público".
A autoimagem dos ministros como personificações da democracia começou a ser construída em março de 2019, quando uma leitura elástica do regimento interno do STF tornou-se pretexto para a abertura do inquérito das fake news – classificado pelo ex-ministro Marco Aurélio Mello como "inquérito do fim do mundo" – e a investigação, ordenada pelo próprio STF, contra pessoas que supostamente teriam atentado contra a honra dos ministros.
A justificativa para a abertura do inquérito se baseou no já famoso artigo 43 do regimento interno do STF, que diz:
Art. 43. Ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal, o Presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro Ministro.
Fonte: Gazeta do Povo