Apenas dez dias depois do início das inundações no Rio Grande do Sul, quando o cavalo caramelo ainda aguardava resgate em cima de um telhado na cidade de Canoas, em 7 de maio, o governo Lula anunciou que iria intervir no mercado e comprar 1 milhão de toneladas de arroz.
Toda a intervenção foi feita a partir de um “achismo” do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Naquele mesmo dia 7, ele afirmou: “Com as chuvas, acho que nós atrasamos de vez a colheita do Rio Grande do Sul. Portanto, se for o caso, para equilibrar a produção, a gente vai ter de importar arroz".
Era o início da crônica de um fiasco anunciado. Nos dias e semanas seguintes, de nada adiantaram todos os alertas de que praticamente a totalidade da colheita gaúcha de arroz, que abastece 70% do consumo nacional, estava segura, o que afastava qualquer risco de desabastecimento.
A sucessão de erros, amadorismo e suspeitas de desvios e favorecimentos culminou com a anulação do leilão nesta terça-feira (11).
Logo quando o governo começou a falar em importação estatal com preços subsidiados, entidades gaúchas ligadas à produção arrozeira emitiram uma nota à sociedade brasileira assegurando que o impacto das chuvas tinha reduzido em apenas 1,24% a colheita do cereal, que atingiu 7,15 milhões de toneladas, “inexistindo risco de desabastecimento de arroz ao mercado consumidor”.
A possível diminuição da disponibilidade do produto em função das perdas pela enchente seria “inevitavelmente compensada pelo incremento da importação e perda de competitividade do arroz brasileiro no mercado externo”.
Entre as empresas vencedoras da primeira etapa do leilão, estava uma fábrica de sorvetes, uma queijaria e uma locadora de máquinas, todas com capital declarado bem menor do que o valor da transação contratada.
Além disso, uma das empresas tinha como sócio, o filho de um alto funcionário do geverno, o secretário de políticas agrícollas do Ministério da Agricultura, Neri Geller (foto), que acabou sendo exonerado e, pelo menos por enquanto, está sendo responsabilizado sozinho pelo vexame da transação.
O presidente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Edegar Pretto, afirmou nesta terça (11) que o governo realizará um novo leilão para a compra de arroz importado, mesmo tendo o primeiro anulado por suspeitas de irregularidades.
O anúncio foi feito no final da manhã pouco depois do governo anular o leilão que comprou 263 mil toneladas ao custo de R$ 1,3 bilhão, mas que foi colocado em dúvida após surgir a suspeita de que três empresas vencedoras não atuam no setor de comércio de grãos.
De acordo com Pretto, um novo leilão será realizado em uma data ainda a ser definida, mas que terá o procedimento revisto com o apoio da Controladoria-Geral da União (CGU) e da Advocacia-Geral da União (AGU).
“Nós pretendemos fazer novo leilão, quem sabe em outros modelos para que a gente possa ter as garantias de que vamos contratar as empresas que tenham capacidade técnica e financeira. […] Não tem como a gente depositar esse dinheiro público sem ter a garantia de que esses contratos serão honrados”, disse em uma entrevista coletiva após uma reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A anulação do leilão por suspeita de irregularidades das empresas vencedoras incomodou o governo e fez o secretário de Políticas Agrícolas, Neri Geller, pedir demissão mais cedo. O filho dele, Marcello Geller, é sócio de Robson Almeida de França, dono da Foco Corretora de Grãos, uma das principais corretoras participantes do processo.