Por Paulo Briguet/Gazeta do Povo
Durante toda a infância, acostumei-me às últimas palavras do dia, que eram sempre as mesmas, proferidas por minha mãe ou por minha avó: Dorme com Deus. Aquela pequena frase compunha uma fórmula perfeita contra todas as possibilidades do mal.
Não tinha que temer os fantasmas, os demônios ou os ladrões do sono e da paz, pois Deus estava comigo.
O tempo passou; eu cresci, perdi a fé e afastei-me de Deus. Mesmo com meu ateísmo — ou talvez em decorrência dele — sempre que as encontrava ou falávamos por telefone, minha mãe e minha avó repetiam as variações da mesma frase... Dorme com Deus. Fica com Deus. Deus te abençoe. Deus te proteja. Deus te crie.
A despeito de minha falta de fé naquela época, eu escutava a voz de Aracy e da Vó Maria até nas horas mais trevosas, de modo que as suas frases — pequenas preces de amor — passaram a constituir uma espécie de consolação espiritual.
Dormir com Deus não consistia em um artigo de crença; era parte do meu ser. Eu me considerava totalmente materialista, e alardeava não acreditar na existência da alma; mas em que outro lugar essas palavras poderiam existir de maneira perfeitamente contínua e inteligível? Sem Deus, os ateus não existiriam.
Mesmo nas minhas fases de ateísmo mais convicto, jamais pensei em questionar minha mãe ou minha avó por me desejarem as bênçãos de Deus.
Eu compreendia perfeitamente que as suas jaculatórias eram expressões de um amor puro e incondicional: elas de fato amavam aquele comunistazinho idiota. Hoje tenho certeza de que as orações de Aracy e Maria salvaram a minha vida.
Mas percebo que hoje em dia os ateus esquerdistas não são mais tolerantes assim.