Gazeta do Povo
Estar no lugar errado, na hora errada, é crime? No Brasil do Código Penal, pensar algo assim seria uma loucura sem tamanho; mas, no Brasil de Alexandre de Moraes, há, sim, lugares e momentos em que não se pode estar sem correr o risco de ir para a prisão.
É dessa forma que se pode compreender a recente decisão de tornar réus meia centena de brasileiros tidos por “incitadores” dos atos de 8 de janeiro e que foram presos no acampamento montado em frente ao Quartel-General do Exército, em Brasília.
O relator Moraes e outros sete ministros foram favoráveis à aceitação da denúncia por incitação pública à prática de crime e associação criminosa; Nunes Marques e André Mendonça saíram vencidos, mas seus votos mostram a que ponto o arbítrio está se tornando norma na principal corte do Judiciário brasileiro.
Ambos os ministros mostraram, com clareza inequívoca, os inúmeros abusos processuais que vêm se acumulando na esteira do golpismo vândalo de 8 de janeiro, a começar pela abolição pura e simples do princípio do juiz natural.
Afinal, nenhum dos agora réus pertence aos grupos que detêm prerrogativa de foro, e seus casos deveriam, na mais severa das hipóteses, estar nas mãos da primeira instância da Justiça Federal em Brasília.
Por mais correta que seja essa observação, já há muito tempo Moraes vem atribuindo a si mesmo competência para julgar absolutamente tudo e todos que ele queira julgar por supostos “ataques às instituições”, em uma espécie de “juízo universal” – a expressão, usada por Nunes Marques em seu voto, já foi empregada no passado para criticar uma suposta concentração de processos da Operação Lava Jato na 13.ª Vara Federal de Curitiba, do então juiz Sergio Moro, por mais que a conexão entre os casos fosse evidente e que o próprio STF tivesse feito todo o esforço possível para fatiar a Lava Jato, enviando processos para outros estados ou para a Justiça Eleitoral.
No julgamento das cem primeiras denúncias contra manifestantes envolvidos no protesto e vandalismo contra os Três Poderes, no 8 de janeiro, os ministros Kassio Nunes Marques e André Mendonça rebateram vários pontos do voto do relator do caso, Alexandre de Moraes.
Embora vencidos, eles acolheram boa parte dos argumentos das defesas, tanto do grupo acusado apenas por participar do acampamento em frente ao Quartel General do Exército, em Brasília, quanto do grupo flagrado dentro do Palácio do Planalto, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal, parcialmente depredados naquele domingo.
As denúncias contra cem participantes dos atos já foram recebidas pela maioria do STF. Significa que eles agora responderão a um processo criminal como réus. Ao longo da ação, terão nova oportunidade de se defender, convocando testemunhas para depor em seu favor, ou juntando novas provas para tentar convencer a Justiça de eventual inocência.
Na análise da denúncia, porém, Nunes Marques e Mendonça criticaram pontos importantes da peça acusatória, da fundamentação de Moraes e da própria forma como o caso está sendo conduzido por ele no STF.
Em primeiro lugar, ambos concordaram que os manifestantes sequer poderiam ser investigados, e muito menos processados na Corte. Para isso, citaram decisões recentes, muitas da Operação Lava Jato, que reafirmaram o entendimento de que só em casos muito excepcionais pessoas sem o chamado foro privilegiado são julgadas no STF.