Por Rodrigo Oliveira
Erisictão era um rei da Tessália muito rico, ímpio e violento. Foi condenado pela deusa Deméter à fome insaciável. Desesperado e enlouquecido por não se satisfazer com nada, começa a comer os próprios membros e devora a si mesmo.
Nós somos Erisictão. Somos movidos por um violento desejo de satisfação. Para cada desejo que satisfazemos, explica Schopenhauer, existem outros dez que não são satisfeitos. A nossa existência tem se tornado um tédio que se alimenta dos nossos míseros prazeres.
O modus operandi da internet intensificou esses estímulos. Segundo Lembke (2022:33), os estímulos das redes sociais são compulsivos e desenfreados, “não apenas fornecendo maior acesso a drogas velhas e novas, mas também sugerindo comportamentos que, de outro modo, poderiam nunca nos ter ocorrido”.
O ser humano é um animal mimético. Os seus desejos não são somente seus. René Girard esclarece que desejo é desejo de desejo.
No mundo virtual, esses desejos imitados são elevados a um outro nível, pois os estímulos são ampliados. A vontade por satisfação aumenta, aumentando, na mesma proporção, a nossa miséria existencial.
Erisictão queria devorar o mundo e acabou por devorar a si mesmo. Pregado à roda de Íxion, giramos em busca por saciedade, por uma paz interior que se torna cada vez mais difícil de ser alcançada. Aquilo que no princípio era uma delícia acabou por se transfigurar em tormento.
As tentativas de ir em busca de uma paz interior não se tornam menos violentas. Atualmente, os remédios são, na verdade, amputações. Para se verem livres desse desespero dos desejos as pessoas se submetem a práticas severas.
O estoicismo foi transformado em autoajuda. O que importa é ter uma sensação de melhora ou uma demonstração pública de que é outra pessoa.
A esmola dos desejos apenas foi modificada. Se antes ela recebia uma satisfação gratuita, doravante a satisfação é com esforço; se antes as delícias eram provenientes de prazeres fáceis, doravante as delícias exigirão sofrimento.
Muitos vivem em uma relação masoquista sem terem consciência disso. Pior: a anedonia, que é a incapacidade de desfrutar qualquer tipo de prazer (LEMBKE, 2022), tornou-se presente na vida de muitos.