Por Rodrigo Oliveira
Calor. Mais de trinta graus. Há uma barreira que separa o inferno e o céu: o ar-condicionado. Estou voltando para a minha casa. Paro no sinal.
O vendedor ambulante resolve não vender sua água. Fica inerte ao lado da caixa de isopor.
O seu olhar é de desesperança. Semblante de desespero. Não, não é um desespero notório. Há desesperos que só podem ser percebidos se prestarmos bem a atenção.
É o caso desse pobre diabo. Ele resolve dar uma pausa. Seu desespero é como o suor de trinta e cinco graus que escorre feito a fome.
O que passa em sua mente? Filhos para criar? Esposa grávida? Pais doentes? Ratos que não cessam de chegar ao seu barraco? Há mais quantos anos de vida? Vinte, trinta, quarenta? Se um minutinho de dor já é uma eternidade, o que seriam quarenta anos?
O suor continua a escorrer. Ele pega um pano e passa na testa. Ganha fôlego para o próximo sinal vermelho. Sua esperança é como o gelo que derrete na caixa de isopor.
Sinal verde. Engato a primeira e sigo, deixando para trás a sua dor. O ar-condicionado é um consolo. Um analgésico.
O progresso técnico nos oferece meios para ignorar ou nos anestesiar da dor do próximo.